Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha nasceu
escravo, em 1850, na Fazenda Queimadas, do coronel José Ferreira da
Rocha, no atual município de Lagoa de Velhos (RN). Começou a cantar
durante os trabalhos na roça. Tornou-se tocador de rabeca, tendo
adquirido seu instrumento aos 15 anos, com o apoio do dono, que permitia
e incentivava que ele cantasse nas casas dos mais abastados da região e
nas feiras. Conseguiu angariar algum dinheiro que, aos 28 anos,
possibilitou comprar a sua alforria. Era analfabeto, mas criava versos,
como o “Romance do boi da mão de pau”, com 48 estrofes. Suas composições
apresentam traços dos romances herdados da idade média.
Em 1923, Fabião das Queimadas já era conhecido e respeitado no
estado, onde no início do período republicano manteve ligações com
políticos da terra, emprestando seus talentos ao criar versos que
serviam, ora para enaltecer os amigos poderosos, ora para denegrir seus
adversários. Já suas apresentações em Natal, aparentemente eram raras ou
restritas a residências de particulares que gostavam da prosa
sertaneja.
“A Republica”, de 19 de dezembro, em novo texto assinado por “Jacinto
da Purificação”, trouxe uma extensa reportagem sobre o cantador, onde
buscavam apresentá-lo a cidade; comentou como no passado Fabião havia
conquistado sua liberdade, “que a fama de Fabião corria mundo”, mas
ressaltou “que o seu estrelato alcançava aquele mundo que não
ultrapassava as fronteiras da nossa terra”.
Em 1923, a expectativa de vida dos mais pobres no Brasil mal chegava
aos 60 anos. Fabião, então, com sessenta e dois anos, era considerado
com “ótima lucidez, perfeita memória e bom timbre de voz”. Afirmou-se
que era “verdadeiramente um desses milagres para os quais a ciência não
encontra explicação”. Informaram que “aquilo que Fabião chama de sua
obra”, certamente daria um volume com mais de 300 páginas. Algumas
destas obras haviam sido criadas pelo cantador 55 anos antes, em 1868.
Para recitá-los ou cantá-los, junto com sua inseparável rabeca, ele
utilizava apenas sua privilegiada memória.
Uma passagem interessante comentava que certa ocasião, um amigo mais
chegado lhe perguntou como ele criava e guardava seus versos. Na sua
simplicidade, o cantador disse que “quando eu quero tirar uma obra, me
deito na rede de papo prá riba, magino, magino e quando acabo de
maginar, está maginado pru resto da vida”.
Chamou atenção do autor do texto como Fabião era um sertanejo dotado
de uma imensa bondade, pois lembrava saudosamente do seu antigo senhor,
José Ferreira. Em uma passagem, o autor conta uma história onde Fabião
rebate uma crítica feita ao seu antigo amo, por não tê-lo mandado à
escola quando jovem, ao que o cantador comentou; “meu senhor foi sempre
homem de muito tino e ele bem sabia que se me tivesse mandado ler e
escrever, quem o vendia era eu”.
O final do texto de “Jacinto da Purificação”, deixa transparecer um
certo receio de fracasso ante a apresentação do poeta, que estava
“descolado do seu meio”. Colocava entretanto que, “qualquer que seja a
sorte da prova que se vai suceder, Fabião para nós será sempre o velho
genial”.
A festa começou às dezoito horas do dia 24 de dezembro, uma
segunda-feira. Um dos paraninfos era o então governador Antonio José de
Souza, que estava presente.
Desde cedo começou a afluir uma grande multidão, calculada em torno
de 4.000 pessoas. Com um caráter estritamente familiar, a festa mudou o
quadro da principal praça da cidade, uma área que normalmente, após as
oito da noite ficava deserta. Neste dia estava “exuberantemente
iluminada e cheia de vida”. O Doutor Varela Santiago, sempre acompanhado
de Palmyra Wanderley e de outras organizadoras, seguiam entre as
barracas, agradecendo a participação de todos.
Várias barracas estavam pela praça, todas com nomes bíblicos como
”Betesda”, “Carfanaum”, “Jericó” e, apesar do caráter religioso das
festividades, o local mais freqüentado foi à barraca chamada “Poço do
Jacó”, por vender bebidas geladas, principalmente cerveja.
Em locais distintos tocavam as bandas marciais da Polícia Militar e
da guarnição do quartel federal, o 29º Batalhão de Caçadores.
Havia várias atividades atléticas, como um torneio de “queda de
braço” e um concorrido torneio de bilhar, onde se destacaram os jovens
José Wanderley e Francisco Lopes, tendo este último sido o vencedor.
Em um palco armado foram se apresentando os seresteiros, cantores e
tocadores da cidade, todos amadores. Uma delas foi a “senhorinha” Edith
Pegado, que chamou a atenção de todos por cantar uma cantiga “roceira”
chamada “Sá Zabê do Pará”.
Mas a atração principal era “Fabião das Queimadas”. Ao subir no palco
com sua inseparável rabeca, o trovador foi entusiástica e longamente
aplaudido e desenvolveu uma apresentação que foi classificada pela “A
Republica” como “magnífica”, composta de “repentes” e “louvoures”, que
fizeram o deleite do público natalense naquela noite.
Uma coluna publicada cinco anos depois, por ocasião da morte de
Fabião, mostra a repercussão que esta festa teve. Um articulista que
assinava simplesmente “R.S.” escreveu que “Ainda estamos bem lembrados
daquela noite em que promovendo-se nesta capital uma festa, Fabião das
Queimadas improvisava chistosos versos, magníficos na sua rudeza e
simplicidade”. O articulista recordava alguns destes versos, que foram
dirigidos aos espectadores mais ilustres, como o governador Antonio de
Souza, Henrique Castriciano, Varela Santiago, Palmyra Wanderley e Eloy
de Souza. A este último, devido a sua herança negra, Fabião soltou uma
quadra que terminava assim; “Se o sinhô num fosse rico, era de nossa
famía”.
Nos outros dias, poucas notas são divulgadas pela imprensa sobre a
quermesse, fazendo esta festa cair logo no esquecimento. Contudo, ao
observarmos os detalhes existentes na elaboração e desenrolar desta
iniciativa, vemos que as mulheres potiguares, sob o comando com Palmyra
Wanderley, conseguiram muito mais do que a nobre causa de angariar
fundos para o hospital do Dr. Varela Santiago. Com uma só ação, Palmyra e
as outras mulheres, muitas certamente sem nem ao menos perceber o que
estavam fazendo, atingiam em cheio aspectos negativos que permeavam a
sociedade potiguar da sua época.
Quem busca conhecer com maior profundidade o pensamento da sociedade
potiguar do final da década de 10 e início dos anos 20 do século
passado, encontra fortes traços de preconceito contra a mulher,
machismo, racismo e a pouca referência sobre as camadas populares e suas
manifestações tradicionais. Evidente que não seria esta quermesse de
Natal de 1923 que mudaria uma sociedade com arraigados e antigos
valores, mas iniciativas como esta ajudavam a criar mudanças.
Para Fabião, ao tocar na capital, não fez nada diferente do que
estava acostumado a fazer nas casas e nas feiras dos povoados do sertão,
e nem poderia ser de outra forma. Fabião cantou a sua idéia de Mundo,
as coisas da sua terra, da sua gente, trazendo para Natal, através dos
seus versos, o que ele conhecia do sertão e assim se perpetuando na
nossa memória.
Fabião das Queimadas morreu em 1928, aos sessenta e
oito anos, de tétano, em uma pequena fazendola de sua propriedade,
chamada “Riacho Fundo”, próximo a Serra da Arara e ao Rio Potengi, na
atual cidade de Barcelona (RN).
Fonte: http://poemia.wordpress.com/2008/09/01/fabiao-das-queimadas-biografia/
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